domingo, 20 de março de 2011

O Metro de Moscovo

No fim do ano passado estive a trabalhar num livro que me levou a investigar o Metro de Moscovo. Concentrei-me, essencialmente, no mapa da rede do metro, cuja configuração achei desde logo muito peculiar. Só ao atentar nele uma segunda vez, me apercebi de que a linha circular, que une todas as estações, é mesmo uma linha de metro, o que torna o desenho do mapa absolutamente único e muito original.

Só depois, e por curiosidade, “descobri” o metro em si. As estações são magníficas e justificam o facto de o Metro de Moscovo ser também conhecido por palácio subterrâneo.

O Metro de Moscovo foi inaugurado em 1935 e transporta hoje cerca de nove milhões de pessoas por dia, número que faz desta rede de metro a maior do mundo em densidade de passageiros.
Esta rede é composta por doze linhas, num total de cento e oitenta estações, que são percorridas por mais de nove mil comboios.

O trabalho a que me refiro conduziu-me a uma segunda investigação, desta vez sobre o alfabeto cirílico. Acontece que a tradução dos nomes das estações variava consoante as fontes consultadas, o que me pareceu bastante estranho, uma vez que, pensei, a regra da transliteração do alfabeto cirílico para o latino devia ser única. Enganei-me. Ao que parece, não existe uma regra, mas várias e, segundo o que consegui descobrir, nenhuma é reconhecida oficialmente como norma. Assim, podemos ter a mesma palavra escrita com “y”, com “i” ou mesmo com “j”, ou uma palavra escrita com “x” ou com “ks”.

A criação do alfabeto cirílico remonta ao século IX e é atribuída a dois missionários cristãos bizantinos, (São) Cirilo e Metódio, que terão desenvolvido um novo método de escrita inspirado no alfabeto grego e no hebraico. Continha inicialmente 43 letras, derivadas de letras gregas e de combinações de letras gregas e hebraicas. Hoje, o russo moderno tem 32 letras, mas o búlgaro e o sérvio têm 30 letras e o ucraniano, 33. Penso que esta será também uma fonte de ruído no que diz respeito à transliteração, uma vez que o próprio alfabeto sofre algumas mutações consoante a zona que considerarmos.

No que ao meu problema diz respeito resolvi consultar o site oficial do Metro de Moscovo. Aí, o nome das estações aparece escrito em cirílico com a respectiva “tradução” para o alfabeto latino. Pareceu-me o mais sensato, e menos penoso do que estudar todas as possibilidades que as normas nos oferecem...



site do Metro de Moscovo; http://tipografos.net/glossario/cirilico.html

quinta-feira, 10 de março de 2011

Seita revisora

«Quer você dizer na sua que a seita revisora gosta do que faz, Tão longe não ouso ir, depende da vocação, e revisor de vocação é fenómeno desconhecido, no entanto, o que parece demonstrado é que, no mais secreto das nossas almas secretas, nós, revisores, somos voluptuosos.»

«Diga-me cá, os outros sinais também levam nomes latinos, como o deleatur, Se os levam, ou levaram, não sei, não estou habilitado, talvez fossem tão difíceis de pronunciar que se perderam, Na noite dos tempos, Desculpar-me-á se o contradigo, mas eu não empregaria a frase, Calculo que por ser um lugar-comum, Nanja por isso, os lugares-comuns, as frases feitas, os bordões, os narizes-de-cera, as sentenças de almanaque, os rifões e provérbios, tudo pode aparecer como novidade, a questão está só em saber manejar adequadamente as palavras que estejam antes e depois...»

«Considere, senhor doutor, a vida quotidiana dos revisores, pense na tragédia de terem de ler uma vez, duas, três ou quatro, ou cinco vezes, livros que, provavelmente, nem uma só vez o mereceriam, Fique registado que não fui eu quem proferiu tão gravosas palavras, conheço muito bem o meu lugar na sociedade das letras, voluptuoso, sim, confesso-o, mas respeitador, Não vejo onde esteja essa terribilidade, aliás parecia-me a conclusão óbvia da sua frase, aquela eloquente suspensão, apesar de não se lhe verem as reticências, Se quer saber, vá aos autores, provoque-os com o meio dito meu e o meio dito seu, e verá como eles lhe respondem com o aplaudido apólogo de Apeles e o sapateiro, quando o operário apontou o erro na sandália duma figura e depois, tendo verificado que o artista emendara o desacerto, se aventurou a dar opiniões sobre a anatomia do joelho, Foi então que Apeles, furioso com o impertinente, lhe disse Não suba o sapateiro acima da chinela, frase histórica, Ninguém gosta que lhe olhem por cima do muro do quintal, Neste caso, o Apeles tinha razão, Talvez, mas só enquanto não viesse examinar a pintura um sábio anatomista, Você é definitivamente céptico, Todos os autores são Apeles, mas a tentação do sapateiro é a mais comum entre os humanos, enfim, só o revisor aprendeu que o trabalho de emendar é o único que nunca se acabará no mundo...»

«Que seria de nós se não existisse o deleatur, suspirou o revisor.»


SARAMAGO, José, História do Cerco de Lisboa. Lisboa: Caminho, 1989.