sábado, 28 de maio de 2011

ABC Ortográfico

Estive a trabalhar num livro editado pela primeira vez em 1945, e que agora foi reeditado com uma considerável actualização ortográfica (muito mudou em cinquenta anos!).
O livro em questão não tinha ainda a ortografia actualizada pelo acordo ortográfico de 1945, por isso lembrei-me de espreitar um livrinho que adquiri na febre do mais recente acordo de 2010, e que não tinha tido oportunidade de analisar. Descobri algumas coisas muito interessantes!

A B C Ortográfico: Regras da nova ortografia. É um livro de autoria do Prof. Alfredo Cabral, editado pelo próprio, e a Papelaria Fernandes foi a depositária da obra.

O capítulo «Alguns erros, solecismos e estrangeirismos frequentes que importa evitar» tem uma lista de expressões que «não se deve dizer nem escrever», a qual é completada por outra lista de expressões opcionais. (Bom, em primeiro lugar, descobri o significado da palavra “solecismo” ‒ qualquer erro ou falta contra as regras da sintaxe; incorrecção de linguagem.) Nesta lista há de tudo; palavras que não suscitam hoje quaisquer dúvidas, palavras que hoje fazem parte do nosso vocabulário quotidiano, mas há também alguns casos muito curiosos. Cá está um apanhado (não esquecer, em todos os casos, que este livro foi editado em 1951...):

Atelier ‒ deve-se dizer oficina, estúdio, laboratório;
Biberon ‒ deve-se dizer mamadeira;
Cabaret ‒ deve-se dizer taberna, botequim;
Capotar ‒ deve-se dizer “sossobrar”, afundar-se;
Cliché ‒ deve-se dizer matriz, molde, prova negativa;
Compra-se livros usados ‒ deve-se dizer compram-se livros usados;
Controlar ‒ deve-se dizer fiscalizar, examinar, inspeccionar;
Deboche ‒ deve-se dizer corrupção, libertinagem, orgia;
Detalhe ‒ deve-se dizer pormenor, minúcia;
Detective ‒ deve-se dizer polícia secreto;
Envelope ‒ deve-se dizer sobrescrito;
Gangster ‒ deve-se dizer bandoleiro, salteador;
Golpe de vista ‒ deve-se dizer relance de olhos;
Inapto ‒ deve-se dizer inepto;
Manicure ‒ deve-se dizer manicuro;
Marquise ‒ deve-se dizer marquesa;
Massacre ‒ deve-se dizer chacina, morticínio, carnificina;
Omelette ‒ deve-se dizer fritada (de ovos);
Pós de escrito ‒ deve-se dizer post scritum (depois de escrito);
Révellion ‒ deve-se dizer velada, vigília; consoada;
Robe ‒ deve-se dizer roupão;
Snob - deve-se dizer pretensioso, excêntrico;
Soutien ‒ deve-se dizer ampara-seios, corpete, colete;
Teve lugar ‒ deve-se dizer realizou-se, efectuou-se;
Travesti ‒ deve-se dizer disfarce, máscara;

No capítulo referente aos «Nomes gentílicos», descubro que o habitante da Abissínia é um abexim; o de Afife, um afifano ou afifense; o da Guarda ou de Idanha-a-Nova, um egitanense ou egitano; o de Outeiro de Gatos é um gatense ou gateiro; o de Paredes de Coura, um courense; o de Ribacoa, um transcudano...

Mais à frente, um útil capítulo dedicado às «Vozes de animais»:

Ora, a andorinha, além de chilrear, chalra, gorjeia, trinfa e trisa (pri-pi-pi); a calhandra gargalha e cucurica; a codorniz pipia e geme (três tostões, três tostões; paspalhão, paspalhão; capataz, capataz); o camelo blatera; o cevado grunhe, cochina e ronca; a cigarra zangarreia, estridula, cicia, chirria, graniza e fretene; o estorninho pissita e chucherreia; a galinha cacareja (có-có-có-coro-có); mas a de Angola chalra (quiquiá, quiquiá; estou fraca, estou fraca; estou fresca, estou fresca); já o homem fala, balbucia, algaravia, palra, papagueia, cochicha, segreda, clama, declama, grita, caturra, chora, ri, taramela, gagueja, alterca, arremeda, ralha, etc.; o jacaré chora; o lagarto farfalha; a mejengra retrauteia (chapim-pim-pim-cachapim, patachim); o papa-figos taralha (viste lá o clérigo? lá o vi, lá o vi).

E logo a seguir, «Outras onomatopeias»:

Comboio ‒ pouca terra, pouca terra; pouca terra, muito pão; pouca terra, muita calha;
Guitarra ‒ telerelim, telerelim;
Líquido derramando-se por um orifício ‒ llllll; xxxxxxx;
Queda de corpo ‒ catrapuz;
Riso ‒ á, á, á, á, á; i, i, i, i, i; ó, ó, ó, ó, ó;
Sino ‒ dlim, dlão; dalim, dalão; tão, badalão; dim, dom; dãnnn, dãnnn;
Sino grande ‒ tão toleirão, tão toleirão;
Sino pequeno ‒ tem lêndeas, tem lêndeas;
Tambor ‒ plam, plam, rataplam; plana, plana, rataplana; rana, cataplana, mata aquela ratazana;
Tosse ‒ quefum, quefum, quefum.